As deficiências nutricionais estão cada vez mais comuns na infância, e isso é preocupante, pois os nutrientes impactam diretamente o desenvolvimento e a saúde física, neuro cognitiva e até emocional da criança. Alguns danos permanentes podem ocorrer devido a deficiências nutricionais; portanto, agir precocemente é essencial para intervir a tempo e evitar problemas mais graves.
Neste artigo, vamos explorar os principais sinais de deficiências nutricionais na infância e como agir para corrigir esses desequilíbrios. No entanto, é preciso lembrar, antes disso, que a verdadeira prevenção é uma alimentação saudável e personalizada desde antes da concepção da criança e em todas as etapas de sua vida (incluindo gestação e aleitamento). Sempre que houver deficiência nutricional, a alimentação precisa ser ajustada para garantir que a criança obtenha tudo que necessita através dos alimentos, mesmo quando há necessidade de suplementação. Os nutrientes obtidos por meio dos alimentos são melhor absorvidos pelo organismo, pois tem maior biodisponibilidade. O que isso quer dizer? Que o nosso corpo possui componentes que favorecem sua utilização.
Também existe uma sinergia entre os todos os nutrientes que compõem um alimento que não pode ser reproduzida pelos suplementos. A suplementação é essencial em alguns casos, mas em nenhum caso a alimentação pode ser colocada em segundo plano. Mesmo diante de uma seletividade alimentar extrema, os suplementos devem ser um suporte temporário, utilizado enquanto se trabalha para que a criança retome uma alimentação adequada. A suplementação não substitui a alimentação.
1. Fatores que interferem na ingesta adequada de nutrientes
A alimentação infantil é a base para o crescimento saudável e o desenvolvimento adequado. No entanto, diversos fatores podem interferir na absorção e no aproveitamento dos nutrientes. O ambiente e os hábitos de vida atuais estão intrinsicamente envolvidos nesse quadro. O modo de vida, o tipo de alimento que está tendo preferência na mesa das famílias e até mesmo a qualidade do solo impactam a disponibilidade de nutrientes e a absorção deles. O consumo excessivo de ultraprocessados, por exemplo, pode comprometer a ingestão de vitaminas e minerais importantes, já que esses alimentos são pobres em nutrientes e ricos em aditivos que prejudicam a saúde. Além disso, condições como disbiose intestinal – um desequilíbrio na microbiota do intestino –, causadas principalmente pela ingesta de ultraprocessados e por alergias alimentares não tratadas, podem reduzir a absorção de nutrientes essenciais, resultando em deficiências nutricionais (tratarei desse tema de forma aprofundada em outro artigo). Alguns medicamentos comumente usados em crianças também afetam negativamente a absorção de micronutrientes, como por exemplo a Dexametasona e a Prednisona, que reduzem a absorção das vitaminas A, C, B6, ácido fólico, Ca, K, P e Mg e aumentam a excreção de vitaminas C, B6, K, Zn e tiamina. Outras causas incluem restrições causadas por seletividade alimentar e uso excessivo de antibióticos.
Também existem polimorfismos genéticos, bastante comuns, que podem interferir na absorção de nutrientes, levando a deficiências nutricionais e até a doenças. Polimorfismos são variações genéticas que aparecem como consequências de mutações e podem afetar a digestão, absorção e metabolismo de nutrientes. Um exemplo de polimorfismo dos mais estudados é o MTHFR, que afeta os níveis plasmáticos do folato (vitamina B9) e é bastante comum em autistas. Por isso, em alguns casos, é necessária a investigação genética para detectar a causa de alguma deficiência inexplicada por outras investigações.
2. Sinais de deficiências nutricionais comuns
2.1. Deficiência de ferro
O ferro é fundamental para a formação da hemoglobina, células vermelhas do sangue que transportam oxigênio pelo corpo. Participa de numerosas vias metabólicas, auxilia no processo imunológico e de divisão celular. A deficiência desse mineral pode causar anemia ferropriva; mas, antes mesmo de haver anemia propriamente dita, sintomas de ferro baixo no organismo já podem ser notados. Alguns deles são:
- Palidez
- Fadiga e fraqueza excessivas
- Falta de apetite
- Maior suscetibilidade a infecções
- Dificuldade de concentração e aprendizado
- Irritabilidade e agitação (especialmente na hora de dormir)
- Tonturas
- Batimentos cardíacos acelerados
O que fazer?
Procure um profissional de saúde para realizar exames e investigar o status de ferro. Não basta avaliar a hemoglobina, é preciso saber também os valores da ferritina e da saturação de transferrina para detectar qualquer alteração. É importante que a alimentação diária tenha alimentos ricos em ferro. São eles: leguminosas (feijões, lentilhas, ervilhas, soja, grão-de-bico), folhas verde-escuras (como espinafre, taioba, agrião, coentro, salsa e couve), cereais (quinoa, aveia) oleaginosas e frutas secas, brócolis e carnes. Para melhorar a absorção, é importante associar esses alimentos a fontes de vitamina C, como laranja, acerola e morango. No entanto, o tratamento para anemia ou níveis de ferro muito baixos de ferritina não se faz só com alimentos; é preciso suplementação de ferro. Para isso consulte um nutricionista ou pediatra.
2.2. Deficiência de vitamina D
A vitamina D é na verdade um hormônio que exerce inúmeras funções no organismo. Ela é necessária para a regulação de cálcio e fósforo, por isso impacta o desenvolvimento e a saúde ósseos. É importante para o funcionamento adequado do sistema imunológico. Também desempenha papel importante na prevenção da obesidade e da depressão, pois atua na regulação do sistema nervoso, e afeta o bom funcionamento de muitos outros mecanismos corporais. A falta desse nutriente pode causar:
- Atraso no crescimento
- Arqueamento das pernas
- Fraqueza e dor nos ossos (facilidade em quebrar ossos)
- Dor muscular
- Espasmos musculares
- Fadiga e fraqueza
- Maior propensão a infecções respiratórias
- Problemas dentários, atraso no nascimento dos dentes, esmalte fraco e cáries precoces e frequentes
O que fazer?
A principal fonte de vitamina D é a exposição solar. Nenhum alimento consegue fornecer a quantidade diária que necessitamos de vitamina D, por isso precisamos da exposição solar. O tempo de exposição varia de acordo com o tom de pele: crianças com pele clara precisam de cerca de 10 a 20 minutos diários de exposição ao sol e crianças de pele negra precisam de aproximadamente 40 minutos, durante o horário de maior incidência dos raios UVB, que é entre 10h e 15h, com a maior parte do corpo exposta. Em ambos os casos, o momento de sair do sol é quando notar que a pele começa a ficar rosada ou avermelhada. Em casos em que a exposição ao sol não é possível (no inverno do Sul do Brasil, por exemplo), é necessário avaliar com exames laboratoriais e realizar a suplementação sob orientação profissional.
2.3. Deficiência de zinco
O zinco é um mineral importante para o crescimento, cicatrização e defesa do organismo. Ele participa da síntese de DNA e divisão celular, fortalece o sistema imunológico, melhora a capacidade cognitiva. Está envolvido na maturação sexual e crescimento adequado Sinais da deficiência desse mineral incluem:
- Atraso no crescimento
- Queda de cabelo
- Unhas frágeis e esbranquiçadas
- Dificuldade na cicatrização de feridas
- Falta de apetite – alterações de paladar e olfato
- Dificuldade de raciocínio e aprendizado
- Atraso da puberdade
- Problemas na pele e oculares
- Ansiedade e problemas relacionados ao sono
O que fazer?
É necessário avaliar o zinco realizando exames que precisam ser requisitados por um profissional, pois a avaliação desse mineral é dependente da avaliação de outros nutrientes. O zinco pode ser obtido pela alimentação, através da ingestão de sementes de abóbora, grão-de-bico, castanhas, amêndoas, quinoa, gergelim, aveia, carne bovina e outros. Dos alimentos citados acima, os de origem vegetal possuem maior quantidade de zinco e são fáceis de ser inseridos na alimentação diária. As sementes e castanhas, por exemplo, podem ser trituradas e adicionadas a cremes, pastas e massa de pão e bolo. Mas em alguns casos é necessária a suplementação prescrita por um nutricionista.
2.4. Deficiência de vitamina B12
A vitamina B12 (cobalamina) é essencial para a formação das células do sangue e o funcionamento do sistema nervoso. É essencial para o desenvolvimento cerebral, mielinização neural e função cognitiva. A vitamina B12 tem funções essenciais no eixo músculo-esquelético-intestino-cérebro, tais como modulação da microbiota, manutenção do músculo esquelético e de parâmetros neurocomportamentais. Ela é fundamental para a formação, integridade e amadurecimento dos glóbulos vermelhos, por isso sua falta ocasiona anemia. Nas crianças, ela também auxilia no desenvolvimento neurológico. Ela exerce papéis importantes na metilação, no metabolismo mitocondrial, no sistema cardiovascular, no sistema imunológico, e possui atividade antiviral. Sua deficiência pode levar a:
- Cansaço extremo
- Irritabilidade e apatia
- Déficit de atenção
- Formigamento ou fraqueza nas extremidades (dificuldades para andar)
- Regressão psicomotora
- Hipotonia
- Depressão e ansiedade
- Dores no corpo
- Sensação de ardência na língua
- Aftas
- Perda de reflexos
O que fazer?
É importante avaliar regularmente com exames laboratoriais os níveis dessa vitamina para constatar a necessidade de suplementação, pois é importante que ela esteja sempre em níveis ótimos para garantir o adequado desenvolvimento infantil, especialmente o cognitivo. A B12 é encontrada somente em alimentos de origem animal (fígado, leite, ovos e frutos do mar). Então, crianças veganas ou vegetarianas precisam ser suplementadas, sob orientação profissional.
2.5. Deficiência de vitamina A
A vitamina A é essencial para a visão, o crescimento e renovação celular e o fortalecimento do sistema imunológico. Ela serve para garantir a formação saudável dos ossos, pele e olhos, além de contribuir para o desenvolvimento da imunidade. O leite materno é rico em vitamina A, e o desmame precoce pode causar sua carência. A vitamina A é essencial para o desenvolvimento infantil, afinal de contas ela contribui para a formação de quase todos os tecidos do corpo humano e ainda auxilia na sua preservação. Sua deficiência pode causar:
- Visão prejudicada, especialmente à noite (cegueira noturna)
- Pele seca e escamosa, olhos secos
- Maior vulnerabilidade a infecções respiratórias, urinárias e intestinais
- Crescimento comprometido
- Perda de apetite
- Imunidade prejudicada
O que fazer?
Se houver sintomas, é preciso procurar um nutricionista para realizar avaliação. Inclua na alimentação da criança alimentos ricos em vitamina A, como cenoura, abóbora, batata-doce, ovos, manga e vegetais de folhas verde-escuras e vegetais e frutas amarelos, alaranjados e vermelhos. O consumo de gordura saudável (óleos vegetais extravirgem, como azeite de oliva, óleo de linhaça, óleo de abacate) ajuda na absorção desse nutriente. Se a criança não consome esses alimentos, é importante avaliar através de exames de sangue e suplementar com orientação profissional.
2.6. Deficiência de ômega 3
Os ácidos graxos ômega 3 são fundamentais para o desenvolvimento cerebral, saúde cognitiva, desenvolvimento visual, regulação do humor e saúde cardiovascular. Possuem propriedades anti-inflamatórias, ajudam no controle de doenças autoimunes, qualidade do sono e memória. A deficiência de ômega 3pode resultar em:
- Déficit de atenção, hiperatividade e dificuldades de aprendizado
- Pele seca, áspera e escamosa
- Unhas e cabelos frágeis (e sem brilho)
- Maior tendência a processos inflamatórios
- Alterações no humor, maior irritabilidade e ansiedade
- Erupções na pele, vermelhidão
- Olhos secos e visão turva
O que fazer?
O consumo de peixes de mar e algas é muito baixo na maior parte do Brasil. A sardinha enlatada possui ômega 3; no entanto, enlatados devem ser evitados, pois seu revestimento costuma ter BPA, que é maléfico para a saúde e proibido no Brasil em produtos destinados a crianças. Também é necessário ter cuidado com peixes de mar, pelo alto nível de contaminação com metais pesados (mercúrio, chumbo, cádmio e outros), que são especialmente prejudiciais para as crianças, podendo causar danos permanentes. Inclua na alimentação fontes de ômega 3, como linhaça, chia, nozes, beldroega e algas marinhas (é preciso também cuidar a procedência, por conta dos metais pesados). No caso de a criança não comer alimentos que contenham esse nutriente, é recomendado procurar uma nutricionista para avaliar a necessidade de suplementação. É preciso estar atento, ao adquirir suplementos de ômega 3, à presença do selo IFOS, que atesta a ausência de metais pesados no produto.
2.7. Deficiência de vitamina E
A vitamina E é um antioxidante essencial para a proteção celular e o funcionamento do sistema imunológico. Também contribui para maior dilatação dos vasos sanguíneos, prevenindo a formação de coágulos. Sua deficiência pode causar:
- Dificuldade em andar, falta de coordenação
- Fraqueza muscular
- Diminuição dos reflexos
- Problemas neurológicos, como dificuldades motoras (no andar)
- Maior suscetibilidade a infecções
- Perda do sentido da posição (saber onde estão os membros sem ter que olhar para eles)
- Pele seca e descamativa
- Problemas de visão
O que fazer?
A deficiência de vitamina E é mais rara. Entretanto, em caso de seletividade alimentar que exclua os alimentos fonte dessa vitamina ou da presença de algum dos sintomas relatados acima, é importante avaliar através de exame de sangue se existe a deficiência e suplementar sob orientação de uma nutricionista. Inclua no dia a dia alimentos ricos em vitamina E, como amêndoas, amendoim, castanha do pará, noz pecan, sementes de girassol, abacate e óleos vegetais prensados a frio (óleo de girassol, de cártamo, azeite de dendê, azeite de oliva).
2.8. Deficiência de vitamina C
A vitamina C é essencial para a síntese de colágeno, absorção de ferro e fortalecimento do sistema imunológico. Ela serve para desenvolver ossos e dentes saudáveis, essenciais para o crescimento infantil, e por seu papel na produção de colágeno participa da formação de tecidos como pele, tendões, mucosas, cartilagens e vasos sanguíneos. Também é importante contar com a vitamina C para crianças evitarem a anemia, causada pela deficiência de ferro, uma vez que esse nutriente ajuda a absorção mineral. A deficiência pode resultar em:
- Cansaço excessivo e pouca energia
- Dores nas articulações
- Irritabilidade e mau-humor
- Gengivas inflamadas e sangramentos frequentes
- Maior propensão a infecções
- Pele seca, descamação da pele e dificuldade na cicatrização de feridas
- Tecidos fracos ou ressecados, principalmente a pele, unhas, cartilagens e cabelos
- Redução da definição dos músculos
O que fazer?
Incentive o consumo de frutas cítricas, como laranja, limão, acerola, morango, goiaba e kiwi, além de vegetais como pimentão, brócolis e couve. Em casos de ingesta insuficiente desses e outros alimentos fontes de vitamina C, observe se a criança apresenta algum sintoma descrito acima e procure orientação profissional. A suplementação será indicada apenas em casos em que a introdução de alimentos não for possível, e precisa ser personalizada e avaliada pela nutricionista.
3. Quando procurar ajuda profissional?
Se a alimentação da criança não é variada, composta por vegetais, grãos integrais, frutas e cereais, ou se ela exclui grupos alimentares inteiros, ou se ela leva rotineiramente algum produto ultraprocessado (ex: macarrão instantâneo, bolachas, sucos industrializados, embutidos, salgadinhos), é necessário procurar uma nutricionista para avaliar o estado nutricional e detectar deficiências. Nesses casos, também é importante que seja realizado um trabalho de educação alimentar, para que a criança seja capaz de futuramente obter todos os nutrientes de que precisa pela alimentação. Se a criança apresentar um ou mais dos sintomas mencionados nesse artigo, de forma persistente, também é fundamental procurar uma nutricionista para uma avaliação detalhada. Exames laboratoriais podem ser necessários para confirmar as deficiências e indicar o melhor plano de ação.
É importante lembrar que os suplementos polivitamínicos vendidos em farmácias, do tipo “de A a Z”, não são os mais indicados para o tratamento de deficiência nutricionais. Primeiro, porque suas doses costumam ser muito baixas e, na maioria dos casos, não são adequadas para repor deficiências. Também, porque somente os nutrientes em falta devem ser suplementados, para que não ocorra toxicidade, e para fazer isso é necessária uma avaliação clínica e laboratorial. Outro ponto importante é considerar a interação que existe entre alguns micronutrientes, pois essa sinergia influencia a eficácia da suplementação e pode evitar efeitos adversos. E, finalmente, mas não menos importante, está o fato de a grande maioria desses suplementos conterem substâncias como corantes, conservantes, açúcares e excipientes como talco, que são danosos para a saúde, especialmente das crianças. Sendo assim, a suplementação deve ser sempre prescrita por um profissional que tenha conhecimento atualizado, para ter segurança e todos os benefícios que pode oferecer
4. Prevenção: como garantir que a alimentação supra as necessidades nutricionais
- Variedade é a chave: ofereça diferentes grupos alimentares diariamente.
- Evite ultraprocessados: disponibilize alimentos naturais e minimamente processados.
- Atenção à seletividade alimentar: crianças que recusam muitos alimentos podem estar em risco de deficiências.
- Exposição solar regular: essencial para a produção de vitamina D.
- Consultas regulares: o acompanhamento com uma nutricionista ajuda a prevenir e corrigir deficiências antes que se tornem um problema.
Conclusão
Estar atento aos sinais de deficiências nutricionais na infância fará toda a diferença para a saúde e o desenvolvimento das crianças. Com uma alimentação equilibrada e acompanhamento profissional, é possível prevenir carências nutricionais e garantir que os pequenos cresçam saudáveis física e mentalmente e cheios de energia!
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